Abusos Praticados Por Agentes da Autoridade do Estado
Cabe ao policial Militar, como agente da Administração Pública e responsável pela polícia preventiva e repressiva, zelar pela ordem e sossego públicos, bem como pela incolumidade física dos cidadãos. No exercício de suas funções são concedidas algumas franquias aos referidos policiais, tais como o uso de armas de fogo, algemas e outros apetrechos sem os quais não poderiam cumprir eficientemente com o trabalho ao qual seja, o de reprimir a criminalidade. Entretanto, por não possuir salvo-conduto que lhe permita tudo, nem tampouco lhe seja concedido direito à indenidade. O exercício regular desse direito não passa pelo abuso, nem se inspira no excesso ou desvio do poder conferido. Visando expor a questão relativa ao abuso RENÉ DE PAGE em sua obra Traité élémentaire..., vol. I, Páginas 111/112, inicia assentando que o exercício dos direitos é condicionado a certas regras fundamentais de polícia jurídica. Sem dúvida que todo direito, enseja uma faculdade ou prerrogativa ao seu titular, mas ao mesmo tempo reconhece que tal prerrogativa deve ser exercida na conformidade do objetivo que a lei teve em vista ao concedê-la ao indivíduo. Essa questão relativa ao limite do exercício do direito, além do qual poderá ser abusivo, quer dizer, a linha divisória entre o poder concedido e o poder excedido, constitui a essência da teoria do abuso de direito.
Assim, se um policial, quando em serviço, usando uniforme e equipamentos da corporação se excede nas funções que lhe foram atribuídas e faz uso dela, responde o Estado pelos prejuízos que deste ato advenham. Aplica-se, na hipótese, a regra geral contida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. A responsabilidade é objetiva, posto que as pessoas jurídicas ali definidas respondem pelos atos de seus prepostos. Se o ato foi abusivo ou praticado com excesso de poder, identifica-se aí a culpabilidade do agente público e, então, haverá em favor do Estado o direito de regresso. Nem cabe alegar que o fato do preposto ter cometido ato ilícito e caracterizado, ad exemplum, como conduta criminalmente tipificada, constitui causa excludente da responsabilidade estatal. O abuso mais confirma sua obrigação de responder, posto que é sua responsabilidade exclusiva a arregimentação de pessoas para o efeito policial. O policial não é um servidor qualquer. Dele se exige atributos especiais. Há de ser destemido, sem desbordar; há de mostrar-se intimorato e forte apenas no combate ao crime e atos criminosos. Não basta que seja honesto e escorreito. Há, ademais, de "parecer" honesto.
Diariamente, por meio da imprensa escrita, falada e de telejornais, tomamos conhecimento de policiais que no exercício regular de suas funções causam danos a terceiros, às vezes irreversíveis. Estes nefastos acontecimentos de pessoas que sofrem constrangimentos causados por policiais despreparados e inconseqüentes, vêm se tornando corriqueiros. Poderia ser lembrado nos dias atuais que são comuns os confrontos entre policiais e marginais nas favelas, em vias públicas ou interior de estabelecimentos e residências. Nesses casos, embora os policiais possam ter agido com moderação e comedimento, procedido segundo as normas de conduta estabelecidas para as circunstâncias do momento, responderá o Estado, objetivamente, pelos danos que essa ação legítima causar a terceiros. São acontecimentos não desejados e fruto muito mais do recrudescimento da violência dos criminosos que do comportamento dos agentes policiais, mas que impõe uma resposta mais severa destes. O chamado "poder paralelo" do crime organizado não pode servir de excludente ou subterfúgio dos agentes policiais, não podendo se abstrair do exercício do respeito que merecem todos os cidadãos. Nem por isso, entretanto, ficará o Estado acobertado pela indenidade civil, pois vige – como regra constitucional – a teoria do risco administrativo, que obriga o Estado a indenizar, sem indagação de culpa, em seu sentido amplo. Praticado ato abusivo ou com excesso de autoridade que cause dano ao patrimônio material ou subjetivo do cidadão, ao Estado caberá compor os danos, com direito de regresso contra seu servidor. Portanto, de qualquer modo que se manifeste o abuso de autoridade, caberá à Administração responder pelas conseqüências danosas que dele resultar.
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